28.10.07

Objetos aparentemente improváveis Evocam reações estranhas em pets; veterinários explicam o que fazer para que eles não se sintam tão intimidados






Beatriz Toledo/Folha Imagem

O papagaio Lorito, 7, que tem medo de tábua de passar roupa

medo de quê?

por Cíntia Marcucci

É só a diarista mexer na tábua de passar roupa que Lorito, um papagaio de sete anos, começa a se inclinar no poleiro.



''No começo, a gente achava que era medo da moça. Mas, depois, descobrimos que o negócio era com a tábua mesmo'', conta o estudante Rodrigo Quintanilha, 15, dono da ave.

Ter um medo estranho ou até mesmo engraçado não é privilégio de Lorito, muito menos dos papagaios. Basta conversar com alguém que tenha um pet em casa para descobrir histórias curiosas. O próprio louro tem mais uma escondida no bico: odeia luvas, principalmente as amarelas, que a mãe de Rodrigo usa para limpar a casa.

"Ela não pode nem se aproximar dele com as luvas. Uma vez, Lorito chegou a saltar do poleiro.''

Esses ataques de pânico animal podem ter causas mais simples do que se imagina. Em algum momento, o bicho teve uma experiência desconfortável com aquele objeto e agora usa o medo como defesa.

''Essa reação é totalmente diferente de uma fobia, que é um medo real, mas desproporcional ao que os indivíduos em geral sentem naquela situação. Nesses casos singulares, é um medo saudável, que tem a função de autoproteção ou autopreservação'', explica a veterinária e psicóloga de animais Hannelore Fuchs, fundadora e presidente da Associação Brasileira de Zooterapia (Abrazoo), coordenadora do projeto Pet Smile, que faz visitas de animais a creches, asilos e hospitais. ''Mas, se você perguntar aos donos, eles geralmente vão dizer que o medo apareceu do nada e não dirão o que aconteceu de verdade. Ou por não saberem, não se lembrarem, ou porque, na cabeça deles, aquilo foi uma bobagem. Mas não para o bicho.''

Lorito, por exemplo, dorme em uma gaiola na lavanderia, junto com a tábua de passar. O dono explica que é improvável que a tábua tenha escorregado durante a noite, já que ela fica bem presa em um cantinho. É grande a probabilidade, porém, de que esse medo esteja relacionado com algo semelhante.

Com o gato siamês Aton, 4, não houve muito mistério até se descobrir o motivo por que ele detesta qualquer fio preto que vê pela frente. ''Ele morre de medo do secador de cabelo. Mesmo que esteja desligado, sai correndo e se esconde na hora'', conta o dono, o estudante de gastronomia Daniel Figueiredo, 21.

Por associação ao barulho, que deve incomodar os ouvidos do bichano, ele passou a fugir de qualquer fio preto que veja pela casa.

É a memória animal que entra em ação. ''Os bichos guardam a situação de estresse pela qual passaram uma vez e evitam a repetição manifestando o medo'', esclarece Mauro Lantzman, veterinário especialista em comportamento animal e professor de psicobiologia da Faculdade de Psicologia da PUC-SP.

Estímulos e petiscos
Assim como acontece com humanos, também é possível fazer com que os bichos deixem de estranhar e de sentir medo de alguma coisa. Os processos são bem parecidos. Envolvem a adaptação (ou readaptação) ao objeto ou à situação na qual demonstram medo e uma série de pequenos desafios que vão aumentando gradualmente.

''O dono é fundamental nesse trabalho, que chamamos de dessensibilização. O que se faz é apresentar o estímulo que causa o medo em uma intensidade muito baixa e, a cada progresso, fazer um agrado ou oferecer um petisco'', ensina Hannelore.

Foi exatamente o que a nutricionista Camila Garcia, 33, fez com o cão sem raça definida Bonifácio, 7. ''Ele parou de subir as escadas, ficava em pânico e com uma cara muito triste enquanto meus outros dois cachorros subiam normalmente. Aí, comecei a carregá-lo até o último degrau e a soltá-lo. Depois ia até o penúltimo e, cada vez, deixava que ele subisse mais degraus, sempre fazendo um agrado quando ele chegava lá em cima'', lembra Camila.

Se a participação do dono é necessária, vale pedir ajuda a um profissional, veterinário ou adestrador, que esteja habilitado a lidar com o lado psicológico do animal. ''Há casos em que se mostra necessário o uso de medicamentos e há o risco de um leigo fazer algo sozinho e dar algum estímulo errado, piorando a situação, que pode se transformar em pânico de verdade. O que é bem mais grave'', alerta Lantzman.

Em geral, os animais não sentem medo ou têm reações estranhas a nada daquilo a que foram acostumados quando filhotes, durante o chamado período de socialização. ''Eles aprendem a conviver com as coisas e barulhos da casa considerando-os familiares com o tempo, como ocorre com os bebês humanos'', compara Hannelore.

Como explicar então que, mesmo aos dois anos de idade, a buldogue Matilda não pare de latir para o toldo que fica na porta da cozinha do engenheiro Carlos Augusto, 55, e de sua mulher, a dona-de-casa Maria Angélica Freitas, 52?

''Ninguém pode pôr a mão ali que ela já começa a latir. Em dias de chuva, Matilda também não gosta de ouvir o barulho da água no toldo'', conta Carlos. Além do pavor de toldo, a cadela também corre de saquinhos de supermercado e, durante o inverno, não entra em ambientes onde há aquecedor, ligado ou desligado.

O latido incessante não significa que ela esteja com medo. Pode ser que queira mesmo é brincar com o toldo ou tocá-lo, como os donos fazem. Segundo a veterinária, é preciso tentar interpretar o latido dos bichos para saber o que eles estão sentindo.

Muitas vezes, é só curiosidade ou até um pouquinho de raiva se o objeto do chilique estiver fora do seu alcance.